domingo, 26 de agosto de 2007

Não é por isso, nem por aquilo


Não é porque não fiz que não gosto
Não é porque não falei que não acho
Não é por fingir que suporto
Não é por não gostar que disfarço
Não é por ser tímida que sou santa
Não é por ser santa que sou fingida
Não é por ser verdadeira que irei falar tudo
Não é por não falar que sou metida
Não é por ser metida que me acho
Não é por me achar que sou arrogante
Não é por não me dar bem que sou azarenta
Não é por ser calma que sou tolerante
Não é por me vestir que sou isso
Não é porque agi que ajo sempre
Não é por ganhar que sou boa
Não é por querer que sou carente
Não é por rezar que sou religiosa
Não é por amar que sou fanática
Não é por me distrair que sou burra
Não é por não brigar que sou covarde
Não é por brigar que sou corajosa
Não é por fingir não ter medo que ele parte
Não é por saber, que irei seguir
Não é por ser simpática que serei legal
Não é por lutar que vou conseguir
Não é por ser contra que não irei fazer
Não é por ter certeza que não irá mudar
Não é por criticar que irá diminuir
Não é por evitar que não vai acontecer
Não é por esconder que não irá aparecer
Não é por me esforçar que será bom
Não é por ser falso que não será concreto
Não é por não existir que será ilusão
Não é por insistir que ocorre
Não é por ser desconhecido que não tem explicação
Não é por ser certo que é verdade
Não é por ser igual que é padrão
Não é por dizerem que faço
Não é por sonhar que sou iludida
Não é por gritar que tenho moral
Não é por ser legal que serei ouvida
Não é por ser grande que irão me reconhecer
Não é por ser diferente que serei excluída
Não é por ter certeza que irei me comprometer
Não é por ser segura que irei tentar
Não é por ser distraída que vou cair
Não é por não ter forças que não irei levantar
Não é por viver que não estou morta
Não é por escolher que irei renunciar
Não é por amar música que irei dançar
Não é por ser insegura que não irei me arriscar
Não é por ser feia que não serei bonita
Não é por ser sem graça que não irei animar
Não é por me conceituarem que serei descrita,
pois para algumas coisas conceitos não há
Teoricamente é tudo bonito, teoricamente é tudo existente
Teoricamente é tudo conceito, mas é difícil dizer o que é coerente
Os conceitos não descrevem o que é até então ilimitado

(Paula Meireles)

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Espelho

Olhou-se no espelho e a viu
Uma menina com defeitos tão visíveis que escondiam suas qualidades
A menina do lado de cá era verdadeiramente feliz, bonita, legal e buscava a perfeição em tudo que fazia
A menina do lado de lá era feia, depressiva, melancólica e infeliz
A menina do lado de cá cravou a imagem da menina do lado de lá em sua cabeça e cada vez que fracassava, ao invés de revirar a situação, lembrava da imagem daquela menina e desistia
Cada vez mais encontrava-se parecida com a menina do lado de lá, até que chegou um momento em que as duas se tornaram uma só, a menina de lá, presa através daquele vidro, como um ser inanimado

(Paula Meireles)

Flores campestres

Uma linda flor erguia-se e balançava-se como se quisesse atenção
Muitos pés passavam correndo pelo campo e não a viam naquele chão
A flor um dia cansou de não ser vista apesar de todo seu esforço e murchou
E uma menina que sabia de sua existência a procurou
Tarde demais e a menina se lamentava dizendo que só haviam flores murchas naquele campo

(Paula Meireles)